Resumo: Artigo 36224
Práticas de formalização e a formalização de práticas: analisando a co-evolução de TICs e práticas organizacionais (10, 40, 67, 95, 98, 100)
João Porto de Albuquerque, University of Hamburg, Germany.
Apresentação: Thursday, May 29, 2008 3:45PM - 5:45PM sala 202 - UNIRIO VII ESOCITE - Sessão 40 - Chair: Jose Eduardo Cassiolato
Abstract.
Com a crescente disseminação do uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) nos mais diversos setores e atividades da sociedade contemporânea, torna-se tarefa importante para os estudos de Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) uma reflexão aprofundada sobre o processo de produção e uso de TICs. Com o intuito de propiciar instrumentos efetivos para essa reflexão, este trabalho pretende abordar a prática do desenvolvimento de TICs, os conceitos utilizados por seus desenvolvedores, e os usos das TICs em práticas organizacionais, procurando apreender num mesmo movimento tanto os aspectos ditos técnicos quanto aqueles que normalmente não são tematizados nas disciplinas técnicas especializadas, sendo comumente tratados como interferências ou impurezas advindas do contato da tecnologia com o contexto social. Assim sendo, este trabalho objetiva visitar teorias e práticas relacionadas ao conceito de formalização nas disciplinas de ciência da computação e engenharia de software, analisando-os à luz de recentes trabalhos em CTS, particularmente em diálogo com a Teoria Ator-Rede. O conceito de formalização tem recorrente emprego no desenvolvimento de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), indicando, na área de computação, o processo no qual descrições vagas e imprecisas de procedimentos e práticas do mundo social são gradualmente convertidas em modelos computacionais exatos e executáveis, sendo em última instância implementados em programas de computador (software). Assim sendo, a formalização envolvida no processo de desenvolvimento de software consistiria, segundo essa acepção lógico-matemática, em expressar algo num determinado formalismo ou linguagem formal. Em outros contextos, porém, algo é dito formal quando se enquadra em convenções ou normas estabelecidas por oposição a informal, coloquial. Essa definição evidencia o caráter normativo do formal, isto é, ao dizer que certa maneira de agir é formal, está-se implicitamente afirmando que esta maneira é a correta, sancionada por sua submissão às normas. Portanto, formalizar é também distinguir o legal do ilegal (Bowers 1992, p. 234). Ora, esse duplo sentido do formal implica que, ainda que a formalização inerente ao processo de desenvolvimento de software seja freqüentemente conceitualizada como transformação técnica que elimina as imprecisões do mundo social, há nela sempre uma dimensão que escapa ao enquadramento do software como artefato puramente técnico e se espraia por relações e práticas sociais. Os pressupostos dessa conceitualização de formalização como depuração técnica do vago ao preciso (Agre, 1992) podem ser vislumbrados de forma cristalina tomando-se por base o que Bruno Latour (1993, cap. 2) denomina constituição moderna. A premissa ontológica implícita naquela idéia de formalização segue uma linha de pensamento típica da modernidade que postula uma dicotomia entre Formal versus Informal, tomando-os como grandes categorias incomensuráveis e essencialmente diferentes entre si que correspondem respectivamente também aos opostos Natureza versus Cultura, ou ainda, Tecnologia versus Sociedade. Para superar essa visão dicotômica e apreender os imbricamentos sociotécnicos existentes na prática do desenvolvimento e uso de TICS em sua complexidade, apresentaremos no presente trabalho uma visão do processo de formalização baseada na perspectiva da ANT, considerando as práticas de formalização como associação de diferentes elementos em redes sociotécnicas heterogêneas com componentes sociais e técnicos, humanos e não-humanos (Callon 1995). Além disso, verificaremos como TICs podem atuar como elemento aglutinador ao inscrever em si formas de organização e padrões de conduta para os atores com os quais se relacionam (Akrich, 1992). Assim, esperamos oferecer recursos para uma análise ampla dos desdobramentos sociotécnicos ocasionados pelo uso de TICS em contextos sociais e organizacionais.